Sunday, December 21, 2014

“Babalóriṣa”


 

 
Lembro como tivesse acontecido ontem:

Era década de 1970, e passava eu pela praça da Sé, na nossa Salvador da Bahia, quando escutei de uma loja de discos, uma batida de atabaques ritmada pelo som do agogô. Sentia uma atração irresistível pelo candomblé, enquanto ouvia de meus pais (mais precisamente do meu pai) recomendações desabonadoras sobre “gente de candomblé”. Tudo isso para mais tarde constatar que todos da família do meu pai e parte da família da minha mãe era “gente de candomblé”).

Voltando a praça da Sé, me vem nos ouvidos a voz marcante, gutural, na qual o solista entoava aqueles versos maravilhosos em língua Ioruba. O `Pai de Santo` cantava para Exú:

 

“ – Ibarabô Exú bara Ibá Koxé....”

 

 Era a voz de Luís da Muriçoca, gravada em um disco antológico.

Nos dicionários, ele é Luís Alves de Assis, ou o Babalorixá Luís da Muriçoca, nascido em 1920, e esteve à frente do terreiro Ilê Axé Ibá Ogum por várias décadas. O terreiro foi fundado em 1890, e localiza-se em Salvador, na Avenida Vasco da Gama, no Vale da Muriçoca...e por aí vai; Porém, para minha modesta pessoa e para alguns que tiveram a HONRA de ter compartilhado o mesmo ar com aquele ícone da nossa cultura, ele era Oguntoshi.

Mas o motivo maior para essa intervenção é a relação entre uma faixa do disco Candomblé da Bahia, de Luís da Muriçoca, de título Babalorixá e o despertar do meu interesse por uma maior compreensão da língua Ioruba. Nessa faixa, Oguntoshi declama uns versos segundo um fraseado que se escuta mais ou menos assim:

 

Li lolô orukó ré baba, ati emum ati emi baba....”

 

Nos anos 1980, comecei a interagir com estudantes nigerianos do programa de intercâmbio entre as Universidades Ilê Ifé e Universidade Federal da Bahia. Comecei a checar o fraseado, e não encontrava respaldo que desse suporte ao fraseado entre aqueles jovens, ou seja, eles não entendiam o fraseado. De início julguei que se tratasse de um desfasamento natural entre gerações e suas respectivas formas características de comunicação (as formas da comunicação utilizadas, naturalmente são diferentes) entre os que vieram como escravos no século 19 e as formas de comunicação em uso nos anos 1970/80). Em verdade, na minha ótica, a razão desse desfasamento entre comunicações dentro da mesma Língua Ioruba, se deve a esse fato e alguns outros acessórios, dentre os quais destaco o seguinte: A língua Ioruba é uma língua tonal, ou seja, mudando o tom ou a acentuação, muda o significado da palavra. Daí, o fato da transmissão do conhecimento da Língua Ioruba entre as nossas gerações, não ter acontecido de forma organizada, a língua Ioruba que nós praticamos no Candomblé, perdeu uma das suas características fundamentais: A tonalidade como forma de diferenciação entre palavras de mesma grafia. Como estudioso dessa forma de comunicação ainda em uso em alguns países do oeste da África, taus como a Nigéria, o Benin, Togo, etc., hoje reescrevi essa saudação assim:

 

Li Lọ́rọ̀ Orúkọ rẹ̀ Baba

 

A ti E̟ mọ, a ti E̟ mi Baba Ọlọ́run kọ rẹ̀

 

Ògún Iyè pàtaki orí awa meji

 

O so ẹni tí s̟aláyìn dodo adé gún rú n rin

 

Ohun Iyè ati sále

 

Ọbaolúaye a s̟e gb lgbe

 

Àkọ́rọ̀-ojo a fun ran súrù

 

A sun a rí gẹ́rẹjẹ ibi

 

Şàngó mọ gbọnra ti s̟e ere jẹ́jẹ́ ere

 

Ǫmǫ nlǫ san gbndu ni Àşa

 

Kẹ̀rẹ kẹ̀rẹ

 

Agora vejamos uma análise de cada uma das formas(frases) dadas acima, com as respectivas traduções:

 

Li Lọ́rọ̀ Orúkọ rẹ̀ Baba

 

 (Apelamos desesperadamente ao Vosso nome Pai)

 

 A ti E̟ mọ, a ti E̟ mi Baba Ọlọ́run kọ rẹ̀  

 

(Nós o conhecemos, Pai como Deus)

 

Ògún Iyè pàtaki orí awa meji

                         

(Que a guerra seja na medida dos dois caminhos)

 

O so ẹni tí s̟aláyìn dodo adé gún rú n rin

 

Ele vê os que não louvam com justiça ao longo da caminhada

 

Ohun Iyè ati sále

 

(Na busca pela sobrevivencia)

 

Ọbaolúaye a s̟e gb lgbe  

 

(O Senhor da Vida nos iguala)

 

Àkọ́rọ̀-ojo a fun ran súrù

 

(As primeiras chuvas trazem a esperança da espera)

 

A sun a rí gẹ́rẹjẹ ibi

 

(Nós oferecemos a vida)

 

Şàngó mọ gbọnra ti s̟e ere jẹ́jẹ́ ere

 

(Xangô faz estremecer todo o corpo e o torna infantil)

 

Ǫmǫ nlǫ san gbndu ni aşa

 

(As crianças são pequenas e robustas por costume)

 

Kẹ̀r kẹ̀r

 

(Gradualmente)

 

Pois é, meu querido leitor, minha querida leitora. Assim é a Língua Ioruba, uma ferramenta cultural rica e valorizada por antropólogos de várias nacionalidades ao redor do mundo. O professo Kayode J. Fakinlede, autor do livro “Beginner´s Yoruba” (Ioruba para Iniciantes) escreve no primeiro diálogo do seu livro:

 

Edè Yorùbá dùn púpọ̀ láti kọ́. Bótilẹ̀jẹ́pé ó s̟òro díẹ̀ láti mọ

 
Ou seja (em Português) “A língua Ioruba é muito interessante, porém um pouco difícil para aprender”.