Era década de
1970, e passava eu pela praça da Sé, na nossa Salvador da Bahia, quando escutei
de uma loja de discos, uma batida de atabaques ritmada pelo som do agogô.
Sentia uma atração irresistível pelo candomblé,
enquanto ouvia de meus pais (mais precisamente do meu pai) recomendações
desabonadoras sobre “gente de candomblé”.
Tudo isso para mais tarde constatar que todos da família do meu pai e parte da
família da minha mãe era “gente de
candomblé”).
Voltando a praça
da Sé, me vem nos ouvidos a voz marcante, gutural, na qual o solista entoava
aqueles versos maravilhosos em língua Ioruba. O `Pai de Santo` cantava para Exú:
“ – Ibarabô Exú bara Ibá Koxé....”
Era a voz de Luís da Muriçoca, gravada em um
disco antológico.
Nos dicionários, ele é Luís Alves de Assis, ou o Babalorixá Luís da Muriçoca, nascido em
1920, e esteve à frente do terreiro Ilê Axé Ibá Ogum por várias décadas. O
terreiro foi fundado em 1890, e localiza-se em Salvador, na Avenida Vasco da
Gama, no Vale da Muriçoca...e por aí vai; Porém, para minha modesta pessoa e
para alguns que tiveram a HONRA de ter compartilhado o mesmo ar com aquele
ícone da nossa cultura, ele era Oguntoshi.
Mas o motivo maior para essa intervenção é a relação entre
uma faixa do disco Candomblé da Bahia, de Luís da Muriçoca, de título
Babalorixá e o despertar do meu interesse por uma maior compreensão da língua
Ioruba. Nessa faixa, Oguntoshi declama uns versos segundo um fraseado que se escuta mais ou
menos assim:
“Li lolô orukó ré baba, ati emum ati emi baba....”
Nos anos 1980, comecei a interagir com estudantes
nigerianos do programa de intercâmbio entre as Universidades Ilê Ifé e
Universidade Federal da Bahia. Comecei a checar o fraseado, e não encontrava
respaldo que desse suporte ao fraseado entre aqueles jovens, ou seja, eles não
entendiam o fraseado. De início julguei que se tratasse de um desfasamento
natural entre gerações e suas respectivas formas características de comunicação
(as formas da comunicação utilizadas, naturalmente são diferentes) entre os que
vieram como escravos no século 19 e as formas de comunicação em uso nos anos
1970/80). Em verdade, na minha ótica, a razão desse desfasamento entre
comunicações dentro da mesma Língua Ioruba, se deve a esse fato e alguns outros
acessórios, dentre os quais destaco o seguinte: A língua Ioruba é uma língua
tonal, ou seja, mudando o tom ou a acentuação, muda o significado da palavra. Daí, o fato da transmissão do conhecimento da Língua Ioruba entre as nossas gerações, não ter acontecido de forma organizada, a língua Ioruba que nós praticamos no Candomblé, perdeu uma das suas características fundamentais: A tonalidade como forma de diferenciação entre palavras de mesma grafia. Como
estudioso dessa forma de comunicação ainda em uso em alguns países do oeste da
África, taus como a Nigéria, o Benin, Togo, etc., hoje reescrevi essa saudação assim:
Li Lọ́rọ̀ Orúkọ rẹ̀ Baba
A ti
E̟ mọ, a ti E̟ mi Baba Ọlọ́run kọ rẹ̀
Ògún
Iyè pàtaki orí awa meji
O so ẹni tí
s̟aláyìn dodo adé gún rú n rin
Ohun Iyè ati sále
Ọbaolúaye a s̟e gbẹ ẹlẹgbe
Àkọ́rọ̀-ojo a fun ran súrù
A sun a rí gẹ́rẹjẹ ibi
Şàngó mọ gbọnra ti s̟e ere jẹ́jẹ́ ere
Ǫmǫ nlǫ san gbẹndu ni Àşa
Kẹ̀rẹ kẹ̀rẹ
Agora vejamos uma análise de cada uma das formas(frases)
dadas acima, com as respectivas traduções:
Li Lọ́rọ̀ Orúkọ rẹ̀
Baba
(Apelamos desesperadamente ao Vosso nome Pai)
A ti E̟ mọ, a ti E̟ mi Baba
Ọlọ́run kọ rẹ̀
(Nós o conhecemos, Pai como Deus)
Ògún Iyè pàtaki orí awa meji
(Que a guerra seja na medida dos dois
caminhos)
O so ẹni tí s̟aláyìn dodo
adé gún rú n rin
Ele vê os que não louvam com justiça ao longo da caminhada
Ohun Iyè ati sále
(Na busca pela sobrevivencia)
Ọbaolúaye a s̟e gbẹ ẹlẹgbe
(O Senhor da Vida nos iguala)
Àkọ́rọ̀-ojo a fun ran súrù
(As primeiras chuvas trazem a esperança da
espera)
A sun a rí gẹ́rẹjẹ ibi
(Nós oferecemos a vida)
Şàngó mọ gbọnra ti s̟e ere jẹ́jẹ́ ere
(Xangô faz estremecer todo o corpo e o torna
infantil)
Ǫmǫ nlǫ san gbẹndu ni aşa
(As crianças são
pequenas e robustas por costume)
Kẹ̀rẹ kẹ̀rẹ
(Gradualmente)
Pois é, meu
querido leitor, minha querida leitora. Assim é a Língua Ioruba, uma ferramenta
cultural rica e valorizada por antropólogos de várias nacionalidades ao redor
do mundo. O professo Kayode J. Fakinlede, autor do livro “Beginner´s Yoruba” (Ioruba para Iniciantes) escreve no primeiro
diálogo do seu livro:
Edè Yorùbá dùn
púpọ̀ láti kọ́. Bótilẹ̀jẹ́pé ó s̟òro díẹ̀ láti mọ