Esse artigo é uma
homenagem ao esforço de educadores dos dois lados do Atlântico negro, pelo
resgate da educação que dignifica o homem e a mulher não só afrodescendentes
como também a todos os que buscam a construção, ou melhor, o resgate de uma
sociedade global na qual a vida seja parametrizada por valores de respeito à
senioridade e a história familiar alargada aos moldes das famílias Iorubás.
Minha preocupação se
aprofunda enquanto testemunho diariamente o desfile de eventos a configura o
extermínio dos jovens afrodescendentes baianos e brasileiros, dizimados por
conta de um desengajamento cultural assustador.
Não faz muito tempo e
eu, trafegava por uma artéria da cidade de Salvador na companhia de minha
esposa, e de dois netos menores de idade (sendo um deles, na época, ainda um
bebe) tivemos os celulares subtraídos por dois jovens. Estavam em uma
motocicleta e um deles, um rapaz afrodescendente de boa aparência e boa
estatura, ocupando a garupa da referida motocicleta, apontava uma arma de fogo
para minha esposa enquanto ordenava que entregássemos os pertences de valor
incluindo telefones celulares
Isso é o cúmulo do
desamor, da falta de criação respaldada na compaixão e no respeito a
senioridade. É a declaração de validade do reino da ignorância do significado
de família e essa não é, definitivamente, uma característica das culturas
africanas e das famílias africanas, eu posso garantir.
Não há necessidade que
justifique a agressão a Ancestralidade representada pelo desrespeito a sênior
na medida em que esse tipo de atitude se instalou na sociedade brasileira.
Por isso, trago esse
texto para homenagear dois educadores, um deles afrodescendente e o outro
africano nato pelo exemplo deles exigir que tomemos posição pelo resgate dos
valores da família alargada a exemplo do que prega a cultura iorubá-nagô.
Minhas homenagens vão,
no lado de cá do Atlântico negro, para o Professor Dr. Padre Gilson Magno dos
Santos, baiano de Cachoeira, Professor
Titular de Língua e Literatura Latinas da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
com pós-doutorado em letras clássicas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Professor Padre Gilson é graduado em Teologia pela Pontifícia Universidade
Lateranense (Roma, Itália, 1986) e é Pós-Doutor em Letras Clássicas pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2017).
É Mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Vaticano,
1992) e Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Vaticano, 1993).
Ministra aulas no curso de Mestrado em Museologia e coordenador de projetos no
Instituto Federal da Bahia (IFBA). Sonho em vê-lo no futuro com Monsenhor
ocupando a vaga deixada pelo saudoso Padre Sadock.
Do outro lado do Atlântico negro, minha homenagem vai para o Professor Dr. Félix Ayoh´OMIDIRE, um irmão iorubá, um baluarte da defesa da língua e da
cultura Ioruba em todo o mundo é Professor Titular I de estudos literários,
étnico-raciais e culturais luso-afro-brasileiros e afro-latino-americanos na
Universidade Ọbafẹmi Awolọwọ, Ile-Ife, Nigéria, mesma instituição acadêmica
onde obteve sua graduação nas áreas de Francês e Português.
O Professor Félix foi professor de intercâmbio da Universidade Federal
da Bahia (2002-2006). Atualmente, é professor titular de língua portuguesa e
estudos literário, culturais e étnico afro-brasileiros da citada Universidade
que fica em Ile-Ife, Nigéria.
Ele tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura
Comparada e estudos culturais e identitários, atuando principalmente nos
seguintes temas: iorubanidade, diáspora iorubana, ancestralidade, memória,
globalização; Africanidades: cultura e tradição, literatura africana
contemporânea, feminismo africano, literatura franco-africana, cultura africana
e cultura iorubana, turismo, memória cultural e história
das diásporas iorubanas em sociedades latino-americanas e afro-caribenhas.
O
texto que me mobilizou está em um blog intitulado “The Yoruba blog”, publicado
em língua iorubá (que na nossa Bahia da colonização até os anos 1950, era
referida como língua nagô) com tradução para o inglês e tem o seguinte título:
“Ohun ti mo fẹ́ràn nípa Ìsimi
Iparí Ọ̀sẹ̀”, o que em português ficaria algo como “O que
eu amo do recesso de fim de semana” ou ainda “O que eu mais gosto de curtir no
fim de semana”.
Destaco ainda dois pontos em relação
ao texto:
i.
Se trata
de um relato gerado por um estudante acerca do seu cotidiano escolar em uma
instituição de ensino secundário que funciona em Lagos, e do seu envolvimento
com sua família, uma narrativa que contraria um preconceito instituído no
ocidente segundo o qual na África só existe fome, ignorância e desamor.
ii.
Está escrito originalmente em língua iorubá,
demonstrando que se trata de uma língua dotada de léxica e semântica,
Tradução:
“O que eu mais gosto de curtir no fim de semana”
Ni ọjọ́ Ẹti, ọjọ́
karun ti a ti bẹ̀rẹ̀ ilé-iwé ni ọ̀sẹ̀, inú mi ma ń dùn nitori ilé-iwé ti
pari ni agogo kan ọ̀sán, ti ìsimi bẹ̀rẹ̀.
Tradução:
Na sexta-feira, o quinto dia da semana escolar, eu fico muito
feliz por que o recesso semanal escolar começa à uma hora da tarde.
Mo fẹ́ràn ìsimi
ipari ọ̀sẹ̀ nitori mo ma nri àwọn òbí mi. Lati ọjọ́ Ajé titi dé ọjọ́ Ẹti,
mi o ki ri ìyá àti bàbá mi nitori súnkẹrẹ-fàkẹrẹ ọkọ̀ ni Èkó, wọn yio
ti jade ni ilé ni kùtùkùtù òwúrọ̀ ki n tó ji, wọn yio pẹ́ wọlé lẹhin
ti mo bá ti sùn.
Tradução:
Gosto do fim de semana por que eu encontro com meus pais. De
segunda a sexta, eu não encontro com eles por conta de eles acordarem muito
cedo e saírem quando eu ainda estou dormindo para assim evitar o tráfego da
cidade de Lagos e quanto retornam tarde da noite eu já estou dormindo.
Mo tún fẹ́ràn
ìsimi ipari ọ̀sẹ̀ nitori mo ma ńsùn pẹ́, mo tún ma a ńri àyè wo eré lori
amóhùn-máwòrán. Ni àkókò ilé-iwé, mo ni lati ji ni agogo mẹfa
òwúrọ̀ lati múra fún ọkọ̀ ilé-iwé ti yio gbé mi ni agogo meje òwúrọ̀.
Ṣùgbọ́n ní igbà ìsimi ipari ọ̀sẹ̀, mo lè sùn di agogo mẹjọ òwúrọ̀.
Tradução:
Também gosto do fim de semana por que posso dormir tarde, posso
também ver programas de televisão. Durante a semana escolar, eu acordo as seis
da manhã para me preparar para tomar a condução escolar que me apanha as sete.
Porém, no fim de semana, eu posso dormir até as oito da manhã.
Ni ọjọ́ Àbámẹ́ta,
ìyá mi ma nṣe oriṣiriṣi oúnjẹ ti ó dùn, mo tún ma njẹun púpọ̀. Ni ọjọ́
Àikú (ọjọ́ ìsimi) bàbá mi ma ngbé wa lọ si ilé-ìjọ́sìn, lẹhin isin, a ma
nlọ ki bàbá àti ìyá àgbà. Bàbá àti ìyá
àgbà dára púpọ̀.
Tradução:
No sábado, minha mãe prepara várias comidas muito gostosas, e eu
posso comer muito. No domingo, meu pai nos leva para a igreja, e depois da
igreja nós vamos cumprimentar meu avô e minha vó. Meu avô e minha vó são muito
bons.
Ni ọjọ́ Àikú
ti ìsimi ti fẹ́ pari, inú mi ki i dùn nigbati òbí mi bá sọ wi pé mo ni
lati tètè sùn lati palẹ̀mọ́ fún ilé-iwé ti ó bẹ̀rẹ̀ ni ọjọ́ Ajé.
Tradução:
No domingo, quando termina o recesso do fim de semana, eu não
gosto muito por que os meus pais me fazem ir para cama mais cedo por conta de
me preparar para a semana escolar que começará no dia seguinte, segunda-feira.
Referências:
1.
Gilson Magno
dos Santos
https://www.escavador.com/sobre/839740/gilson-magno-dos-santos (acessado em 03/12/18);
2. Fèlix Ayoh OMIDIRE :
https://www.escavador.com/sobre/393597/felix-ayohomidire (acessado em 03/12/18)
3.
Imagem
https://www.campusreporters.com.ng/top-5-best-secondary-schools-in-nigeria-according-to-waec/ (acessado em
04/12/18)